
Foi ainda no final do ano passado, pouco depois do Apple Arcade ter sido lançado, que eu resolvi dar uma chance para o serviço e ver o que achava do seu catálogo. Para quem não conhece, o Apple Arcade é um serviço de assinatura de jogos da empresa, em que é possível ter acesso a jogos mobile dos mais diferentes gêneros por uma mensalidade de R$9,90.
Desde então, eu já sentia vontade de escrever algo sobre ele e alguns dos seus jogos, mas calhou que o destino me ajudou e a ideia se transformou em algo ainda mais legal. A Natalia Dian, uma amiga querida, me colocou em contato com o André Rodrigues, diretor de arte e desenvolvedor de negócios da Big Green Pillow, um estúdio de jogos brasileiros daqui de Bauru. Eles estavam às vésperas de lançar um jogo exclusivo para o Apple Arcade – chamado Slash Quest e feito em parceria com a Mother Gaia, outro estúdio da cidade – e o André encontrou um tempinho para conversar comigo sobre o assunto.
Nesse papo falamos sobre o lançamento do jogo, seu processo de criação e desenvolvimento, e até mesmo sobre a sua exclusividade para o serviço – e como isso afetou na sua produção.
Aqui embaixo, portanto, você confere alguns momentos dessa conversa, além de informações bem legais sobre os bastidores da criação de um jogo. E, de quebra, já termina esse texto com um novo game pra colocar na sua wishlist.
Os primeiros golpes da espada
Slash Quest é um jogo de action-adventure em que o grande protagonista da história é um objeto animado: uma espada falante, dona de uma personalidade bastante forte. Perdida em uma terra distante, diversos personagens se alternam na missão de levá-la de volta ao castelo, enquanto o jogador controla os seus movimentos através de dois botões.
Além disso, há algo bastante particular a respeito dessa espada: toda vez que mata um inimigo, ela cresce, tornando a missão de brandi-la da forma correta e controlar seus movimentos ainda mais complicada.
Com diversos mini jogos e missões a serem realizadas, 12 níveis a serem alcançados e uma mecânica bastante diferente de tudo o que já vi, Slash Quest chega hoje (02/10) com exclusividade ao Apple Arcade. A sua história, no entanto, vem de muito antes disso, quando em 2015 a Big Green Pillow e a Mother Gaia participaram juntos de uma game jam e criaram o seu protótipo.

“Eu acho interessante como cada pessoa participa de game jams por motivos diferentes. Para a BGP sempre foi um exercício de testar as nossas habilidades, expressar ideias que o trabalho de work-for-hire (nossa única fonte de renda em 2015) não permitia e colaborar com amigos cujo trabalho a gente admira. A mentalidade é meio “se vamos trabalhar de fim de semana, tem que fazer valer”, e como resultado nossos jogos de jam costumam se basear numa premissa absurda que tem tudo para dar errado”, contou André. Por isso mesmo, quando o tema da Ludum Dare saiu (Growing e/ou Two Buttons), depois de muita discussão os estúdios chegaram em duas ideias nada convencionais.
A primeira, um jogo com coelhos, “uma espécie de tetris hexagonal e radial em que as peças são módulos de uma nave colonizadora de coelhinhos”, era promissora, mas acabou se mostrando bem menos legal do que a segunda opção. Uma proposta divertida que envolvia uma espada que crescia à medida que seus inimigos eram mortos.
“Daí até inventar que a espada seria a protagonista e teria um rostinho, coisa e tal, foi um pulo. A gente já chamava de Jogo da Espada. Mecanicamente ela já era claramente a personagem principal. E talvez eu tenha um costume de desenhar rostinho nas coisas. […] A ambientação em si, cores, e design de personagens foram em grande parte influenciados pela música que o Breakmaster [Breakmaster Cylinder] compôs. Ele mandou algumas opções, mas a que mais gostamos era meio sombria, com uma assinatura de tempo esquisita e instrumentos meio alienígenas tipo o theremin. Lembro bem de partir para a concept art ouvindo essa track em loop, tentando chegar em cores e formas que parecessem ter saído dela”, explicou.
“A espada faz tudo no jogo. É ela quem conversa com os NPCs, coleta tesouros, ativa botões… Foi uma restrição que impusemos ao design do jogo. Por exemplo, como projetar um elevador cujo verbo de ativação não é apertar um botão com o dedo mas sim dar uma baita espadada em alguma coisa?”

O sucesso de Slash Quest na game jam foi instantâneo. Ele ficou em primeiro lugar na votação popular da Ludum Dare (essa demo, inclusive, ainda está disponível para quem quiser jogar), e ainda que na época fosse inviável para os dois estúdios se juntarem, a ideia do projeto continuou na mente de seus criadores. O que se tornou possível alguns anos depois, quando a Big Green Pillow e a Mother Gaia passaram a dividir o mesmo escritório.
“Na verdade nós somos bons vizinhos há muito tempo, dividimos um escritório, depois nos separamos, depois voltamos para a mesma sala de novo… Algumas vezes já emprestamos uma pessoa ou outra entre as equipes, mas raramente compartilhamos um projeto inteiro. Foi uma junção bastante natural do ponto de vista criativo, e bem proveitosa do ponto de vista prático – quem diria que o jogo seria mais fácil de fazer com mais pessoas”, brinca André.
Foi assim que com muito trabalho e uma série de mudanças feitas para lapidar o jogo, a demo se transformou em um grande projeto, com muito mais detalhes e ainda mais potencial para agradar o público. “A gente se esforçou muito para manter o núcleo da premissa do Slash Quest original. Praticamente todo resto mudou. O jogo agora é 3D! Ao invés de uma experiência curtinha agora tem uma campanha completa, com NPCs, desenvolvimento de personagem, side quests e mini games”, conta animado.
A história em partes: o processo de produção do game
De cara, ao ter a oportunidade de conversar com o André sobre Slash Quest, uma das minhas maiores curiosidades a respeito do jogo era que ele falasse sobre o seu processo de produção. Afinal, quais são as fases de desenvolvimento de um game desde o momento em que a sua ideia surge até o seu lançamento?
Assim como ele explicou, é preciso guardar obviamente as devidas particularidades de cada jogo e empresa, afinal estúdios diferentes usam fluxos diferentes. Mas, para a Big Green Pillow, existem algumas partes desse processo bastante fáceis de serem observadas.

Da ideia ao lançamento
“Tem uma fase de concepção em que você cria a premissa básica do jogo, a temática, estética, se define as plataformas, quem sabe até produz um mockup da tela para ver como o jogo vai se parecer. No nosso caso essa fase foi a game jam. Depois vem a pré-produção, em que a gente define melhor certas coisas e trabalha numa demo. Um corte vertical do jogo que mostra o visual, mecânicas básicas e um loop de jogo próximos do que se pode esperar do produto acabado.
Entramos então em fase de pitch, em que o estúdio apresenta a demo para possíveis parceiros. Essa parte depende muito do tipo de parceria que o estúdio precisa. Às vezes se precisa de uma publicadora, às vezes de dinheiro para produzir o game, no nosso caso eram as duas coisas.
Com tudo fechado, equipe completa e dinheiro para sobreviver, se entra na produção em si. A do Slash Quest durou 18 meses, mas esse número varia drasticamente de estúdio para estúdio, projeto para projeto.
Jogo pronto, ou quase pronto, começa a fase de release, em que a equipe para de produzir novo conteúdo e passa a polir o conteúdo existente, corrigir bugs e etc. Artistas passam a trabalhar em materiais promocionais, todos testam e participam do controle de qualidade. Com sorte existe uma pessoa na equipe dedicada a alinhar as informações com as plataformas, imprensa, comunidade… É uma fase complicada, até pela falta de experiência dos profissionais com essa parte do ciclo, afinal todo desenvolvedor já concebeu a ideia de um jogo, mas poucos já lançaram um.” finaliza.

A exclusividade para Apple Arcade
Além da mecânica, Slash Quest tem um outro diferencial em relação a maioria dos jogos mobile: sua exclusividade para Apple Arcade. Algo que à primeira vista pode não parecer ter grande importância, mas que na realidade tem bastante impacto na maneira como o jogo precisa chegar ao consumidor final. Algo, inclusive, que influencia até mesmo na sua própria premissa.
“O mercado mobile convencional de hoje em dia é um que não tolera jogos muito diferentes do free-to-play massificado de todo dia. Jogos premium, ou sem um fluxo constante de conteúdo pelo menos, raramente são recompensados com sucesso econômico, independente da qualidade e polimento. O Arcade é um pouco diferente nesse sentido. Por ser um serviço de assinatura, a remuneração do desenvolvedor é diferente e torna viável que se crie jogos mais de nicho, muitas vezes finitos. O Slash Quest mesmo estaria fadado ao fracasso comercial fora do Apple Arcade, independente da qualidade do produto” pontua André.
Além disso, há ainda outro ponto a se considerar, que é o envolvimento direto da Apple no produto, fazendo um acompanhamento do seu processo de produção. De acordo com o desenvolvedor de negócios da Big Green Pillow, “normalmente o desenvolvedor trabalha no seu jogo em silêncio até perto do lançamento, já no Apple Arcade nós fizemos entregas regulares para a equipe de games da Apple, que julgava o andamento do projeto e devolvia comentários, feedbacks sobre possíveis melhorias”.

Para quem ficou curioso à respeito de Slash Quest, o game foi lançado hoje no serviço de assinatura tendo como publisher a Noodlecake Studios. Em seu site oficial é possível conferir todo o time responsável pela sua criação e ainda mais detalhes a respeito de sua história.
Corra dar o play e tenha um bom jogo!